"Sou um só, mas ainda assim sou um. Não posso fazer tudo, mas posso fazer alguma coisa. E, por não poder fazer tudo, não me recusarei a fazer o pouco que posso"

quinta-feira, 30 de abril de 2009

A REBELIÃO DAS MASSAS

Autor: Jose Ortega y Gasset (1883-1955)
Tradução: Marylene Pinto Michael
Assunto: Filosofia
Editora: Martins Fontes
Edição: 2ª
Ano: 2002
Páginas: 300

Ortega Y Gasset avalia o homem médio quanto a sua capacidade para continuar a civilização moderna e quanto à sua adesão à cultura. Tentando responder a questões como 'quem manda no mundo', ele discute a atitude do homem médio ante a civilização e a cultura.
Explica por quê o homem contemporâneo enxerga cultura como bem de consumo e não como bem cultural.

"A Rebelião das Massas", obra prima de José Ortega y Gasset, começou a ser publicado em 1926 num jornal madrilenho ("El Sol").

Retrata as grandes transformações do século XX, especialmente na Europa, com ênfase no processo histórico de crescimento das massas urbanas. Não se refere às classes sociais, mas às multidões e aglomerações. Tendo esse contexto como pano de fundo, Ortega discute temas, aparentemente contrários entre si, mas que se fundem (ou devem fundir-se) numa unidade de sentido. É assim que contrapõe individualismo e submissão ao coletivo; comunidade, nação e estado; história, presente e porvir; homens cultos e especialistas; poder arbitrário e respeito à opinião pública; juventude e velhice; guerra e pacifismo; masculino e feminino.

São tópicos que, inevitavelmente, nos induzem à reflexão crítica. Em alguns casos são apresentados de forma extremamente provocativa.

Referindo-se ao poder do dinheiro, minimiza seu significado e afirma:

"É, talvez, o único poder social que ao ser reconhecido nos repugna. A própria força bruta que habitualmente nos indigna acha em nós um eco último de simpatia e estima. Incita-nos a rechaçá-la criando uma força paralela, mas não nos inspira asco. Dir-se-ia que nos sublevam estes ou os outros efeitos da violência; porém ela mesma nos parece um sintoma de saúde, um magnífico atributo do ser vivente, e compreendemos que o grego a divinizasse em Hércules."

Discutindo o fato de que os antigos gregos expressavam certo desprezo pelas mulheres, acaba por concluir que estas acabaram se masculinizando:

"A Vênus de Milo é uma figura másculo-feminil, uma espécie de atleta com seios. E é um exemplo de cômica insinceridade que tenha sido proposta tal imagem ao entusiasmo dos europeus durante o século XIX, quando mais ébrios viviam de romanticismo e de fervor pela pura, extrema feminilidade. O cânone da arte grega ficou inscrito nas formas do moço desportista, e quando isto não lhe bastou preferiu sonhar com o hermafrodita."

Sobre a guerra, chega a afirmar:

"O pacifismo está perdido e converte-se em nula beateria se não tem presente que a guerra é uma genial e formidável técnica de vida e para a vida."

Sua interpretação do modelo escravista é bastante sugestiva:

"Do mesmo modo, costumamos, sem mais reflexão, maldizer da escravidão, não advertindo o maravilhoso progresso que representou quando foi inventada. Porque antes o que se fazia era matar os vencidos. Foi um gênio benfeitor da humanidade o primeiro que ideou, em vez de matar os prisioneiros, conservar-lhes a vida e aproveitar seu labor."

São essas aparentes contradições que estimulam nosso espírito crítico. Ortega defendeu suas concepções com vigor, fundamentos sólidos e uma lógica irrepreensível. Em poucos momentos foi totalmente conclusivo, mas deixou uma enorme abertura para que possamos repensar as idéias que defendeu em seus dias, adaptando-as ao nosso tempo e ao que viveremos no futuro.
Comentários: Nos últimos meses debrucei-me seriamente sobre os escritos de Ortega y Gasset, particularmente sobre o seu monumental REBELIÃO DAS MASSAS, obra escrita a partir de 1926 em capítulos publicados em jornais. Destino maiúsculo deste pequeno grande livro, escrito na pressa dos textos jornalísticos, mas de grande profundidade analítica. Ortega conseguiu essa proeza porque antes, em 1923, escreveu o não menos monumental ESPANHA INVERTEBRADA, obra na qual mergulhou na história e na atualidade de seu país. O que viu na Espanha viu na Europa e no mundo. Como um profeta viu seu povo – espanhol assim como europeu – caminhar para o abismo e nada teve a fazer. Pregou no deserto.

A guerra civil espanhola não foi menos trágica e menos previsível do que Hitler e o bolchevismo. Estava tudo lá, nas obras do grande filósofo espanhol, com a cristalina transparência própria a um vidente. Na segunda parte do ESPANHA INVERTEBRADA ele relata o que se falava nas ruas de então, que não havia homens em Espanha. Ortega clareia o que estava subentendido na expressão: não havia homens de escol, uma aristocracia, mas havia a presença massacrante e apavorante das massas, homens indiferenciados e medíocres, sedentos de sangue e poder.

Fiz-me a mesma pergunta quando Lula tomou posse – fui à Esplanada dos Ministérios vê-lo passear em triunfo em carro aberto, cercado de bandeiras vermelhas por todos os lados – e renovei a pergunta agora quando vi que a bandidagem carioca botou o Exército Brasileiro para fora de seu território, no Morro da Providência, apoiada que estava pelos poderes locais constituídos. E pelo Federal também, diga-se de passagem. Onde estão os homens de escol? Estão escassos e escondidos no Brasil de hoje, como outrora estavam na Espanha. Ortega: “¿No hay hombres o no hay masas? A resposta é de uma obviedade perturbadora. E concluiu o filósofo:

“Pero, como em estas páginas queda dicho, las masas, uma vez movilizadas en sentido subversivo contra las minorías selectas, no oyen a quien les predica normas de disciplinas. Es preciso que fracasen totalmente para que em sus propias carnes laceradas aprendan lo que no quieren oír... El odio a los mejores parece agotarse como fuente maligna, y empieza a brotar un nuevo hontanar afectivo de amor a la jerarquia, a las faenas constructoras y a los hombres egregios capaces de dirigirlas”.

Estava plenamente certo, como se viu, e a Espanha invertebrada, assim como toda a Europa, precisaram da carnificina mais atroz e dos fornos crematórios mais iníquos para amansar as massas desembestadas. Ele não poderia ser mais apocalíptico àquela altura, o ano da Graça de 1923. Deu no que deu.

Nossos homens egrégios foram corridos não só do Morro da Providência, foram espantados também dos palácios do Planalto, das universidades, dos órgãos de imprensa e mesmo da direção de muitas empresas privadas. O discurso e a lógica acabrunhantes do homem-massa passam agora pelo socialmente aceito e o seu oposto, a conversação dos homens sérios e cultivados, foi banida. A civilização deu lugar à barbárie.

Brasil invertebrado, poderíamos bem arremedar Ortega, posto que a estrutura de um povo é sua elite, a quem as massas devem obedecer. Nem temos a elite e as nossas massas estão moucas a qualquer voz da razão.

Não posso esquecer jamais do nosso Exército expulso do Morro da Providência, vítima que foi do conluio entre os criminosos comuns e os criminosos políticos, gente da mesma laia, as massas triunfantes no poder. Vivemos tempos de grandes perigos.
Nivaldo Cordeiro.

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