“Havia Eru,
o Único, que em Arda é chamado de Ilúvatar. Ele criou os Ainur, os Sagrados,
gerados por seu pensamento, e eles lhe faziam companhia antes de tudo o mais
fosse criado. E ele lhes falou, propondo-lhes temas musicais; e eles cantaram
em sua presença, e ele se alegrou. Entretanto, durante muito tempo, eles
cantaram cada um sozinho ou apenas alguns juntos, enquanto os outros escutavam;
pois cada um compreendia apenas aquela parte da mente de Ilúvatar da qual havia
brotado e evoluía devagar na compreensão de seus irmãos. Não obstante, de tanto
escutar, chegaram a uma compreensão mais profunda, tornando-se consonantes e
harmoniosos.
E aconteceu
de Ilúvatar reunir todos os Ainur e lhes indicar um tema poderoso, desdobrando
diante de seus olhos imagens ainda mais grandiosas e esplêndidas do que havia
revelado até então; e a glória de seu início e o esplendor de seu final tanto
abismaram os Ainur, que eles se curvaram diante de Ilúvatar e emudeceram.
Disse-lhes
então Ilúvatar: - A partir do tema que lhes indiquei, desejo agora que criem
juntos, em harmonia, uma Música Magnífica. E, como eu os inspirei com a Chama
Imperecível, vocês vão demonstrar seus poderes ornamentando esse tema, cada um
com seus próprios pensamentos e recursos, se assim o desejar. Eu porém me
sentarei para escutar; e me alegrarei, pois, através de vocês, uma grande
beleza terá sido despertada em forma de melodia.
[ ... ]
... Enquanto o tema se
desenvolvia, no entanto, surgiu no coração de Melkor o impulso de entremear
motivos da sua própria imaginação que não estavam em harmonia com o tema de
Ilúvatar; com isso procurava aumentar o poder e a glória do papel a ele
designado. [ ...] Muitas vezes, Melkor penetrava sozinho nos espaços vazios em
busca da Chama Imperecível, pois ardia nele o desejo de dar Existência a coisas
por si mesmo; e a seus olhos Ilúvatar não dava atenção ao Vazio, ao passo que Melkor
se impacientava com o vazio. E, no entanto ele não encontrou o Fogo, pois este
está com Ilúvatar. Estando sozinho, porém, começara a conceber pensamentos
próprios, diferentes daqueles de seus irmãos.
[ ... ]
Então,
falou Ilúvatar e disse: - Poderosos são os Ainur, e o mais poderoso dentre eles
é Melkor; mas, para que ele saiba, e saibam todos os Ainur, que eu sou
Ilúvatar, essas melodias que vocês entoaram, irei mostrá-las para que vejam o
que fizeram. E tu, Melkor, verás que nenhum tema pode ser tocado sem ter em mim
sua fonte mais remota, nem ninguém pode alterar a música contra a minha
vontade. E aquele que tentar, provará não ser senão meu instrumento na invenção
de coisas ainda mais fantásticas, que ele próprio nunca imaginou.”