"Sou um só, mas ainda assim sou um. Não posso fazer tudo, mas posso fazer alguma coisa. E, por não poder fazer tudo, não me recusarei a fazer o pouco que posso"

domingo, 1 de maio de 2011

A FITA BRANCA

Título Original: Das Weisse Band
Gênero: Drama
Atores: Christian Friedel, Leonie Benesch, Ulrich Tukur, Ursina Lardi, Burghart Klaussner.
Diretor: Michael Haneke
País: Áustria – França – Alemanha e Itália
Ano: 2009
Duração: 144 min.

Sinopse: Filmado em preto-e-branco, o filme conta a história de uma comunidade rural protestante que vive num vilarejo no norte da Alemanha, entre 1913 e 1914, às vésperas da Primeira Guerra Mundial, onde estranhos e violentos incidentes começam a ocorrer.

Protagonizam a história um grupo de crianças e adolescentes que faz parte de um coral dirigido pelo professor primário do vilarejo, e suas famílias: o barão, o reitor, o pastor, o médico, a parteira, os camponeses. Os acidentes tomam, aos poucos, o caráter de um ritual punitivo. Um arame é colocado como armadilha para derrubar o cavalo do médico, um celeiro é incendiado, duas crianças são seqüestradas e torturadas. Gradualmente, estes incidentes isolados tomam forma de um sinistro ritual de punição, deixando a cidade em pânico. O professor do coro de crianças e jovens da escola local investiga os acontecimentos para encontrar o responsável, e aos poucos desvela a perturbadora verdade. O que se esconde por trás desses acontecimentos?

Comentários: Titubeante, o narrador alerta, no começo do filme, sobre sua falta de certezas, sobre o que é ou não verdade no que vai contar para o espectador: “Eu não sei se a história que vou contar é totalmente verdadeira” [ ... ] “Quero contar o fatos estranhos que aconteceram na nossa aldeia, Talvez eles possam esclarecer uma série de acontecimentos que sucederam neste país”. A Fita Branca começa assim, duvidando de si mesmo. O diretor costura seu filme como uma alegoria do que os sistemas patriarcais, os regimes autoritários e o fanatismo religioso podem provocar na formação do indivíduo.

Somos apresentados a um conjunto de personagens fortes: o barão dono das terras e seus empregados submissos, o médico autoritário, a parteira e seu filho com problemas mentais, o pastor protestante rigoroso, o professor tímido, um enxame de crianças reprimidas e entediadas.

Quem assiste ao filme, tem nítida impressão de que o diretor procurou explicar as origens das raízes culturais, da geração que abraçou o nazismo 20 anos depois dos fatos que narra no filme. Numa entrevista concedida a Anthony Lane, da revista “New Yorker”, em 5 de outubro de 2009, o diretor diz que “Essa é uma leitura rasa”.

Transcrevo a seguir, numa tradução livre, a longa resposta que Michael Haneke dá à tentativa de rotular seu filme como uma parábola sobre o nazismo:

“Não ficaria feliz se esse filme fosse visto como um filme sobre um problema alemão, sobre o nazismo. Este é um exemplo, mas significa mais que isso. É um filme sobre as raízes do mal. É sobre um grupo de crianças, que são doutrinadas com alguns ideais e se tornam juízes dos outros – justamente daqueles que empurraram aquela ideologia goela abaixo deles. Se você constrói uma idéia de uma forma absoluta, ela vira uma ideologia. E isso ajuda àqueles que não têm possibilidade alguma de se defender de seguir essa ideologia como uma forma de escapar da própria miséria. E este não é um problema só do fascismo da direita. Também vale para o fascismo da esquerda e para o fascismo religioso. Você poderia fazer o mesmo filme – de uma forma totalmente diferente, é claro – sobre os islâmicos de hoje. Sempre há alguém em uma situação de grande aflição que vê a oportunidade, através da ideologia, para se vingar, se livrar do sofrimento e consertar a vida. Em nome de uma idéia bonita você pode virar um assassino.”

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Estamos em um vilarejo na Alemanha às vésperas da Primeira Guerra Mundial, e o vínculo com o nazismo é montado já na fala do narrador, que conta que ali, naquela comunidade, pequenos eventos prenunciam o que aconteceria com o país todo, anos depois. Haneke começa o filme, portanto, amarrado conscientemente nessa analogia com o Holocausto - e, ao seu modo habitual, começa a ditar o tipo que reação que espera do público.

O primeiro mistério é filmado com impacto: o médico do vilarejo está voltando para casa, montado num cavalo, quando um arame esticado entre cercas derruba o animal. Não se encontra o culpado pelo arame. Tempos depois, o filho do barão local se torna vítima. Em comum, os crimes têm a forma de castigo.

O fato é que a punição, embalada como disciplina, está enraizada no vilarejo - e a fita branca do título, que o pastor local força dois de seus filhos a usar, como sinal de vergonha por pecados cometidos, é obviamente a antevisão da futura etiquetação anti-semita de judeus nos princípios da Segunda Guerra. Costuma-se crer que Hitler chegou ao poder auxiliado pelo rancor que os alemães sentiam após a devastação do país na Primeira Guerra, mas para Haneke o embrião do mal é anterior.

E a maneira que o diretor austríaco encontra para dar rosto a esse mal é agressivamente despojada: close-ups de caras limpas, de feições sem traços de culpa ou de remorso, sem traço mesmo de ódio - ainda que esse ódio, nós sabemos, exploda de tempos em tempos. Um personagem diz, em algum momento, certeiro, que se trata de um ódio pior: os linchadores odeiam a si mesmos. De novo, como em Caché, a questão é entender quem é de fato a vítima.

Se A Fita Branca está preso à analogia com o nazismo, pelo menos a exerce com lampejos de brilhantismo, como no plano final, da missa na igreja, com sua arquitetura que lembraria depois um salão do Terceiro Reich. Independente da crítica que se faça à postura de Haneke diante do espectador, é inegável que ele está se fazendo entender.