BÍBLIA SAGRADA - EDIÇÃO PASTORAL
Uma edição marxista
As Edições Paulinas publicaram uma nova tradução da Bíblia dita “Pastoral”
(BP), acompanhada de notas de rodapé e Vocabulário, que vêm suscitando
perplexidade: há os que defendem tal edição, devida a Ivo Storniolo e Euclides
Martins Balancin, como sendo “o livro ideal” (ver “Jornal de Opinião”,
1-7/7/90, p. 3). Mas há também os que a impugnam com argumentos sérios,
mostrando graves falhas na inspiração básica e na confecção de tal tarefa. O
assunto já foi abordado em PR 337/1990, pp. 285s. Voltamos ao problema,
aduzindo novas observações, provenientes, em grande parte, de D. João
Evangelista Martins Terra S. J., Bispo Auxiliar de Olinda-Recife, Membro da
Equipe Teológica do CELAM e da Pontifícia Comissão Bíblica.
1. Três observações básicas
A tradução do texto bíblico da Edição Pastoral é aceitável com algumas
ressalvas, que indicaremos à p. 523s deste artigo. Todavia, as notas de pé de página e o
Vocabulário, encontrado às pp. 1616-23, pretendendo dar a chave de leitura e
interpretação da Bíblia, são alheios à Tradição bíblica judaico-cristã e
distorcem a mensagem sagrada para o setor da ideologia sócio-político-econômica.
Sem o perceber, o leitor
desprevenido vai absorvendo uma concepção filosófica não cristã sob a capa de
Palavra de Deus. Isto se depreende facilmente desde que se dê um pouco
de atenção ao Vocabulário dessa Edição.
1.1. O elenco do Vocabulário
Eis os principais verbetes que interessam aos estudos e ao linguajar
bíblicos ou os principais vocábulos da mensagem bíblica tomada como tal: Aarão,
Abel, Abraão, Ação de graças, Adão, Adoração, Adultério, Água, Alma, Anjo...
Bem diferentes são os verbetes
do Léxico da Edição Pastoral dispostos segundo a ordem
alfabética: Aliança,
Alienação, Amor, Autoridade, Auto-suficiência, Campo, Celebração, Cidade, Comércio, Compaixão, Comunidade, Conflito, Consciência, Conversão, Corrupção, Dinheiro, Direito, Discernimento, Dominação, Educação, Encarnação, Escravidão, Esperança, Exploração, Fé, Fraternidade, Gratidão, Herança, História, Idolatria, Injustiça, Integridade, Javé, Jesus, Julgamento, Justiça, Lei, Liberdade, Libertação, Liderança, Lucro, Memória,... Poder,...Produção, Projeto de Deus, Prosperidade,... Repressão,... Riqueza, Roubo, Tributo,... Violência... Estes vocábulos têm sua
repercussão nas notas de rodapé, inspirando uma doutrina que já não é bíblica,
mas preponderantemente marxista. Os próprios vocábulos tipicamente bíblicos que ocorrem
no Léxico Pastoral, são
esvaziados de seu conteúdo próprio e característico para assumir significação
ideológica. Assim, por exemplo:
“Aliança: É o centro da Bíblia. Deus se alia com os pobres e
oprimidos para construir uma sociedade e uma história voltadas para a vida”.
Ora é de notar que a
Aliança de Deus com os homens não começa na época dos pobres e oprimidos, mas é
universal ou destinada a todos desde o início; o segundo Adão, Jesus
Cristo, Mediador da nova e definitiva Aliança, tem sua imagem ou seu esboço no
primeiro Adão, pai de toda a humanidade, conforme Rm 5, 14; é com os primeiros
pais que Deus trava a primeira Aliança, voltada para todos os homens, conforme
Eclo 17, 10.
“Amor: Mistério de Deus e do homem. Gera a relação de onde brotam
a liberdade e a vida”.
“Celebração: Reunião do povo para comemorar os fatos centrais da
vida e conservar a lembrança dos acontecimentos que marcaram a caminhada do
povo”.
Este conceito se aplica às celebrações cívicas, não, porém, às
celebrações litúrgicas, nas quais se torna presente e atuante a Páscoa (morte e
Ressurreição) de Jesus Cristo para fazer que os homens participem da obra da
Redenção.
“Esperança: Dinamismo que mantém o povo aberto para realizar
plenamente o projeto de Deus. A esperança leva o povo a buscar transformações
econômicas, políticas, sociais e religiosas”.
Silencia-se o objeto supremo da esperança cristã, que é a vida eterna
com a visão de Deus face-à-face.
“Fraternidade: ... Relação igualitária, onde todos, como irmãos,
podem participar das decisões que constroem a sociedade, e juntos usufruir dos
bens que cada um produz”.
“Javé: É o misterioso Deus vivo que se manifesta respondendo ao
clamor dos pobres e oprimidos para os libertar dos exploradores e opressores.
Ele é a fonte e a meta da liberdade e da vida. Por isto é aliado daqueles que
buscam liberdade e vida, opondo-se a todas as pessoas e estruturas que produzem
escravidão e morte”.
“Justiça: Realização do projeto de Deus. A justiça se concretiza
na partilha e na fraternidade, dirigindo-se a sociedade para a solidariedade e
a paz. Exige, para todos, a distribuição igualitária dos bens e a possibilidade
de participar das decisões que regem a vida e a história do povo. Na Bíblia a
justiça é eminentemente partidária, visando a defender a causa dos indefesos”.
Como se vê, os conceitos bíblicos são todos analisados em chave
sócio-política, que supõe a luta de classes na sociedade.
Duas noções merecem especial atenção.
1.2. A Revelação
Eis como a apresenta o Vocabulário:
“Revelação: Manifestação de Deus através das realidades da vida e dos
acontecimentos da história. Mostra o caminho que o povo deve seguir. Exige a
atenção do homem, pois Deus está continuamente se revelando”.
O conceito de Revelação que até hoje se prolonga, é ambíguo. A fé
católica distingue:
1) A Revelação de Deus normativa que manifesta o desígnio de Deus e os
meios de salvação; encerra-se com Jesus Cristo, como diz a própria Sagrada
Escritura: “Outrora muitas vezes e de
muitos modos Deus falou aos pais pelos Profetas. No período final, em que
estamos, falou-nos por meio do Filho” (Hb 1,1s).
2) Após Jesus Cristo, não há Revelação normativa; Deus proporciona “os
sinais dos tempos” que reavivam no homem a consciência das verdades da fé, mas
nada acrescentam de novo; estamos nos últimos tempos relativamente à doutrina
(cf. 1Jo 2, 18).
O Papa Pio X condenou explicitamente a proposição modernista que dizia:
“A Revelação que constitui o objeto da fé católica, não se encerrou com
os Apóstolos” (Denzinger-Schönmetzer, Enchiridion n.º 3421 [2021]).
O Concílio do Vaticano II reafirmou a clássica doutrina:
“Jesus Cristo aperfeiçoa e completa a Revelação e a confirma com o
testemunho divino de que Deus está conosco... A economia cristã, como aliança
nova e definitiva, jamais passará, e não há que esperar nova revelação pública
antes da gloriosa manifestação de Nosso Senhor Jesus Cristo (cf. 1Tm 6,14 e Tt
2,13)” (Const. Dei Verbum n.º 4).
Vê-se, pois, que o Vocabulário da Bíblia Pastoral está longe do genuíno
pensamento católico.
1.3. Projeto de Deus
Todo o Vocabulário e as notas
de rodapé são perpassadas pela noção de projeto de Deus, que dá o
sentido aos demais verbetes. Ocorre mais de seiscentas vezes na Edição
Pastoral, e até mesmo cinco ou seis vezes na mesma frase.
Ora “projeto de
Deus” no contexto dessa obra não é uma noção teológica; não significa nem Providência nem desígnio de Deus, mas,
sim, algo de tipicamente marxista, como se depreende a seguir:
“Projeto de Deus: Aliando-se aos que são marginalizados pelo
sistema injusto. Deus entra na história com novo caminho: promover a liberdade
e a vida para todos. Todavia esse projeto está sempre em conflito com o projeto
das nações que alicerçam sua riqueza e poder sobre a escravidão e a morte do
povo. A luta para manter vivo dentro da história o projeto de Deus é o ponto de
honra do povo de Deus”.
Como dito, a expressão “projeto de Deus” entra na composição de muitos
outros verbetes do Vocabulário como um chavão ideológico. Eis alguns
espécimens:
“Comércio: Atividade econômica fundamental da cidade,
destinada... a gerar lucro, exploração e riqueza. No projeto de Deus, o
comércio é superado pela partilha e gratuidade”.
“Conflito: Choque entre grupos que têm objetivos e interesses
diferentes. Na Bíblia, o principal conflito aparece entre o projeto de Deus
para a vida e os projetos da auto-suficiência, que geram a morte”.
“Consciência: Compreensão que o povo tem da realidade, a partir
do projeto de Deus. Ela demitiza a ideologia da classe dominante, e cria
discernimento para se construir uma sociedade fundada na justiça e na
fraternidade”.
“Educação: Relação entre gerações (pais-filhos), na qual se
transmite a memória das lutas do povo, a fim de que a nova geração aprenda com
os erros e acertos de seus pais. Dessa forma, a nova geração poderá criar
caminhos novos e alternativos para realizar o projeto de Deus na
história. As tradições da Bíblia se conservaram graças a esse processo”.
“Encarnação: Deus encarna-se na vida e na história humanas,
mostrando o valor inestimável que elas têm diante dele. A coerência com a fé
exige que nos encarnemos também para que o projeto de Deus transforme as
estruturas políticas e econômicas, dirigindo a história para a liberdade e a
vida”.
“Propriedade: O direito de propriedade é sagrado, e o mundo deve
ser igualitariamente distribuído entre todos. A acumulação de propriedade,
formando latifúndios, e a especulação imobiliária são contrárias ao projeto
de Deus”.
“Ressurreição: Passagem da morte para a vida. Não se refere
apenas à morte física, mas a todas as mortes geradas por projetos contrários ao
projeto de Deus”.
“Sociedade: Grupo humano que realiza um projeto em comum,
organizado em nível econômico, político, social e ideológico. Nem sempre a
sociedade vive o seu projeto de acordo com o projeto de Deus, que
provoca transformações profundas nas relações sociais”.
Estes poucos espécimens mostram que a mensagem bíblica é toda repensada
e posta estritamente a serviço de transformações sócio-político-econômicas
imanentes, sem que haja acenos à transcendência para a qual devem caminhar o
homem e a história. A justiça e a reta ordem social neste mundo são germens do
Reino de Deus, que só estará consumado no fim dos tempos ou no Além, jamais no
decorrer da história. O materialismo marxista é que julga poder prometer a
plena realização das aspirações dos homens no decurso da história mediante a
redistribuição dos meios de produção material.
2. A filosofia subjacente
Quem lê atentamente os verbetes do Vocabulário e as notas de rodapé da BP
verifica que são devedores ao que se chama “a leitura materialista da Bíblia”.
Esta não nega Deus e os valores espirituais, mas julga que são
“super-estrutura” ou derivados da “infra-estrutura” ou do jogo dos bens
materiais no curso da história. Com outras palavras: supõe que os fatores
decisivos da história sejam de ordem material (econômica) e política; a procura
de posse dos bens materiais e do poder moveria todos os acontecimentos da
história e condicionaria a crença em Deus, o culto religioso e a definição das
normas morais. Adotando teses do marxismo, os fautores da leitura materialista
da Bíblia contrapõem entre si campo e cidade, como, aliás, fazem
I. Storniolo e E. Balancin:
“Campo: É o polo fundamental da produção que sustenta a vida. É
explorado pela cidade”.
“Cidade: Lugar da riqueza e do poder, que se concentram na mão de
poucos, produzindo conflitos, principalmente com o campo” (p. 1616).
Partindo destes conceitos, os autores das notas da BP comentam o
texto bíblico de maneira artificial e deformante:
Assim, por exemplo, o livro do Gênesis refere que Lote se separou de
Abraão, ficando aquele com as cidades, e este com os campos. A nota a Gn
13,1-18 diz então o seguinte: “Ló escolhe a região onde estão as cidades; assim
ele entra no âmbito de uma estrutura que se sustenta graças à exploração e
opressão do povo. Abraão, ao invés, fica aberto para uma história nova, fundada
unicamente no projeto de Deus” (p. 26).
O comentário de Js 4,1-24 justifica a partilha da terra de Canaã pelos
filhos de Israel nos seguintes termos:
“Antes da instalação de Israel, Canaã era um conjunto de cidades-Estado
que oprimiam e empobreciam a população camponesa, através do sistema
tributário. A conquista realizada por Israel derrotou esse sistema e implantou
o sistema das doze tribos..., visando construir uma sociedade justa e
igualitária... A nova geração deve ser educada a não voltar para trás,
reproduzindo o sistema social injusto” (p. 244).
Vejam-se as notas paralelas:
“Só existe verdadeira paz quando se erradica completamente o sistema
injusto que explora e oprime o povo” (p. 253).
“A conquista da terra... destrói um sistema classista injusto” (p. 255).
“As Cidades-Estado de Canaã justificavam a política opressora e
exploradora dos seus reis” (p. 272).
“Sem poder mais explorar os camponeses e suas terras, tais cidades não
conseguiram oferecer sacrifício... seus armazéns ficaram vazios por falta de
trigo. Enquanto isso, os camponeses vitoriosos conseguiram livrar-se dos
tributos e puderam gozar da fartura” (p. 274).
“Para uma volta ao projeto de Javé, é necessário romper... o sistema
opressor das cidades” (p. 276).
A leitura materialista da Bíblia, julgando que as cidades se enriquecem
mediante o tributo cobrado dos camponeses, afirma que os tempos religiosos vêm
a ser centros econômicos e políticos nos quais se deposita o lucro resultante
da exploração comercial e tributária. É por isto que na p. 1237 se lê em
rodapé:
“No tempo de Jesus o templo (de Jerusalém) possui imensas riquezas e
toda a cúpula governamental age a partir daí. Desse modo a casa de oração e
ofertas a Deus se torna um imenso Banco e lugar de poder político. Em outras
palavras, a religião se torna instrumento de exploração e opressão do povo”.
Desnecessário é dizer que esta descrição fantástica do Templo no tempo
de Jesus carece de toda base histórica. Esse Templo, devido ao rei Herodes,
ainda estava em fase de acabamento na época de Jesus; as obras de decoração
demoravam por falta de recursos, como descreve pormenorizadamente o historiador
judeu contemporâneo de Jesus, Flávio José (Antigüidades Judaicas 15,
380-425).
Pelos mesmos motivos é despropositado o comentário feito em rodapé a Mc
11,15 (expulsão dos vendilhões do Templo):
“Acusando e atacando o comércio existente dentro do Templo, Jesus retira
as bases sobre as quais se apoiava toda uma sociedade. Com efeito, era com esse
comércio que se sustentava grande parte da economia do país. O gesto de Jesus
mexe não só com um modo de vida religiosa, mas com toda uma estrutura que usa a
religião para estabelecer e assegurar privilégios de uma classe e sustentar uma
visão mesquinha de salvação. Por isso, os que se favorecem desse sistema,
pensam em matar Jesus, mas temem o povo” (p. 1298).
Este comentário fica longe da realidade histórica. O que ocorria no
tempo de Jesus, era o seguinte: como em todos os santuários (ou mesmo como em
todos os lugares onde se aglomera muita gente), no Templo de Jerusalém
acorriam, nos dias de festa, camelôs e vendedoras ambulantes que armavam suas
bancas para vender alimentos, objetos para o culto (vítimas), lembranças ou
para fazer o câmbio das moedas estrangeiras. Esses pequenos comerciantes
prestavam serviço aos milhares de peregrinos que afluíam ao Templo nas grande
solenidades; mas o acúmulo de gente, com suas necessidades, dava ocasião
propícia à ganância e à exploração. Entende-se então que Jesus tenha reagido
contra esses abusos; tal reação, porém, não teve, em absoluto, as proporções
que a Bíblia Pastoral lhe atribui:
“Acusando e atacando o comércio existente no Templo, Jesus retira as
bases sobre as quais toda uma sociedade se apoiava. De fato, era com esse
comércio que se sustentava grande parte da economia do país. O gesto de Jesus
abala não apenas um sistema de vida religiosa, mas toda uma estrutura que usa
da religião para estabelecer e assegurar privilégios de uma classe e para
sustentar uma visão mesquinha de salvação. Jesus é apresentado como o rei
legítimo, centro de nova aliança: ele... é aclamado pelas crianças como o
Messias. Aqueles que são privados de apoio oficial e de poder, estão prontos
para receber Jesus, enquanto as autoridades o rejeitam” (p. 1267).
Eis alguns espécimens da leitura materialista realizada pelos
responsáveis da BP. Não se encontra nesta alguma alusão aos Santos Padres,
à Tradição e ao Magistério da Igreja; o que aí se incute, é a perspectiva de
uma sociedade estruturada segundo o marxismo e não a imagem do Reino de Deus em
demanda de sua consumação escatológica.
“Mc 8,27-33: A ação messiânica de Jesus consiste em criar um mundo
plenamente humano, onde tudo é de todos e repartido entre todos. Esse
messianismo destrói a estrutura de uma sociedade injusta, onde há ricos à custa
de pobres, e poderosos à custa de fracos. Por isto, essa sociedade vai mater
Jesus antes que ele a destrua”.
É este o comentário a uma passagem evangélica que fala da morte e
ressurreição de Jesus. Estas são simplesmente silenciadas pelos comentadores,
como se não tivessem, antes do mais, importância transcendental.
Além de se ressentir de inspiração ideológica marxista, a Edição
Pastoral comete seus erros teológicos e exegéticos, como se verá a seguir.
3. Erros doutrinários
1. No tocante à vida póstuma, os autores das notas parecem professar a
ressurreição dos corpos logo após a morte do indivíduo, em desacordo com a
doutrina oficial da Igreja e dos textos da própria Bíblia. Com efeito, eis o
que se lê à p. 1476:
“Em Corinto alguns pensam que, depois da morte, a alma imortal continua
vivendo sozinha... Outros pensam que tudo termina com a morte... Paulo mostra
que ambas as opiniões são contrárias ao núcleo da fé cristã”.
Na verdade, a própria S. Escritura (ou o próprio São Paulo) professa a
sobrevivência da alma sem o corpo, ficando a ressurreição da carne reservada
para o fim dos tempos. Ver, por exemplo:
1Cor 15, 22-24a: “Assim como todos morrem em Adão, em
Cristo todos receberão a vida. Cada um, porém, em sua ordem: como primícias,
Cristo; aqueles que pertencem a Cristo, por ocasião da sua vinda (parusia). A
seguir, haverá o fim”.
1Ts 4,16s: “Quando o Senhor, ao sinal dado, à
voz do arcanjo e ao som da trombeta divina, descer do céu, então os mortos em
Cristo ressuscitarão primeiro; em seguida, nós, os vivos que estivermos lá,
seremos arrebatados com eles nas nuvens para o encontro com o Senhor nos ares”.
Estes dois textos situam a ressurreição dos mortos no momento da parusia
ou da segunda vinda de Cristo. – Entre a morte do corpo e a ressurreição no fim
dos tempos, a alma separada do corpo goza da sua sorte eterna (bem-aventurada,
se a pessoa morreu em graça):
2Cor 5,8: “Estamos cheios de confiança, e
preferimos deixar a mansão deste corpo para ir morar junto do Senhor”.
Fl 1,23: “Meu desejo é partir e estar com
Cristo, pois isto me é muito melhor”.
Lc 23, 43: Disse Jesus ao bom ladrão pouco antes
de morrer: “Em verdade eu te digo: Hoje estarás comigo no paraíso”.
A Congregação para a Doutrina da Fé explicitou esta doutrina numa
Instrução datada de 17/05/1979, onde se lê:
“...3) A Igreja afirma a sobrevivência e a subsistência, depois da
morte, de um elemento espiritual, dotado de consciência e de vontade, de tal
modo que o “eu humano” subsista, mesmo sem corpo. Para designar esse
elemento, a Igreja emprega a palavra “alma”, consagrada pelo uso que dela fazem
a Sagrada Escritura e a Tradição. Sem ignorar que este termo é tomado na Bíblia
em diversos significados, Ela julga, não obstante, que não existe qualquer
razão séria para o rejeitar e considera mesmo ser absolutamente indispensável
um instrumento verbal para sustentar a fé dos cristãos...
5) A Igreja, em conformidade com a Sagrada Escritura, espera a gloriosa
manifestação de nosso Senhor Jesus Cristo, que Ela considera como distinta e
diferida em relação àquela condição própria do homem imediatamente depois da
morte.
6) A Igreja, ao expor a sua doutrina sobre a sorte do homem após a
morte, exclui qualquer explicação que tirasse o sentido à Assunção de Nossa
Senhora naquilo que ela tem de único; ou seja, o fato de ser a glorificação
corporal da Virgem Santíssima uma antecipação da glorificação que está
destinada a todos os outros eleitos”.
2. Algumas vezes as notas de rodapé da BP, de índole histórica,
são derivadas da Bíblia de Jerusalém. Mas nem sempre de modo inteligente.
Assim, por exemplo, no comentário de Ex 23, 14-19 a Bíblia Pastoral repete o
mesmo erro que já ocorria na Bíblia de Jerusalém em português, afirmando que a
festa das Semanas era celebrada durante sete semanas ou cinqüenta dias (p. 96).
Ora a Festa das Semanas, chamada Pentecostes em grego, era celebrada cinqüenta
dias após o começo da colheita, como explicam Dt 16,9 e Lv 23,16, mas não
durava cinqüenta dias; durava um dia apenas!
3. A BP traduz 1Cor 7, 36-38 nos seguintes termos:
“Se alguém, transbordando de paixão, acha que não conseguirá respeitar a
noiva, e que as coisas devem seguir o seu curso, faça o que quiser. Não peca;
que se casem. Ao contrário, se alguém, por firme convicção, sem constrangimento
e no plano uso de sua vontade, resolve respeitar a sua noiva, está agindo bem.
Portanto, quem se casa com sua noiva faz bem; e quem não se casa, procede
melhor ainda”.
Ora o texto grego original fala de virgem (parthénos), e não de
noiva (nymphe). A tradução clássica é apresentada pela Bíblia de
Jerusalém:
“Se alguém julga agir de modo inconveniente para com a sua virgem,
deixando-a passar da flor da idade, e que portanto deve casá-la, faça o que
quiser; não peca. Que se realize o casamento! Mas aquele que, no seu coração,
tomou firme propósito, sem coação e no pleno uso da própria vontade, e em seu
íntimo decidiu conservar a sua virgem, esse procede bem. Portanto procede bem
aquele que casa a sua virgem; e aquele que não a casa, procede melhor ainda”.
Em nota a Bíblia de Jerusalém alude à tradução adotada pela BP
como sendo pouco habitual. A BP prefere a nova maneira de traduzir, sem
dar informações sobre o seu caráter muito hipotético.
4. Conclusão
É louvável a intenção de tornar o texto bíblico acessível e
compreensível ao maior número possível de leitores. Isto, porém, não significa
incutir determinada opção ideológica, de mais a mais que a ideologia marxista
se apresenta ao mundo de hoje como fracassada e ultrapassada. A Justiça Social
é sumamente desejável, sim; ela decorre da própria mensagem bíblica que a
Doutrina Social da Igreja, através das encíclicas papais, vem desenvolvendo e
aplicando aos nossos tempos. A Igreja não precisa de recorrer a sistemas
heterogêneos para propor aos homens a autêntica mensagem da salvação.
Notemos a grande responsabilidade que toca a tradutores e editores da
Bíblia: a linguagem do texto sagrado penetra e forma a mentalidade do povo que
a lê. A tradução de Lutero plasmou a língua alemã. Permita Deus que a sua santa
Palavra não sirva de instrumento para levar o povo cristão à deterioração e a
desvios da fé!
+ Estevão Bettencourt O.S.B.
Data Publicação: 02/12/2009
Um comentário:
Fiquei chocado agora, onde podemos encontrar uma Bíblia sem adulteração.
Desta porcaria de marxismo.
Parabéns pelo Blog.
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