Consentimento
e coerção na Alemanha nazista
Título original: Backing
HitlerAutor: Robert Gellately
Tradutor: Vitor Paolozzi
Assunto: História (Nazismo)
Editora: Record
Edição: 1ª
Ano: 2011
Páginas: 518
Gellately disseca
como e por que um consenso social emergiu em favor de Hitler em tão pouco
tempo. Expõe o substancial apoio e ativa participação do cidadão comum no
horror. Mostra que longe de esconder as campanhas racistas e repressoras, os
nazistas as estamparam em jornais. Hitler não buscava subjugar os alemães.
Queria conquistá-los através de imagens populares e da manipulação de antigas
fobias. Gastou enormes recursos para analisar e controlar a opinião pública. Os
relatos na mídia eram uma dimensão essencial de seus planos. A propaganda era
planejada para exercer apelo sobre o povo alemão e se equiparar às suas crenças
cotidianas
O autor analisa,
aqui, uma vasta quantidade de material sobra a polícia secreta e os campos
publicados na imprensa da época. Usando jornais e transmissões de rádio como
evidência, Gellately demonstra como o povo se tornou a base sólida do regime
nazista. Mas o que está em questão não é o que os alemães sabiam ou não. Mas
que tipo de conhecimento tinham e como era transmitido. Hitler jamais teve a
intenção de confrontar grandes segmentos de seu mundo social e dobrá-los a sua
vontade como Stalin: preferiu apelar aos ideais germânicos, os preconceitos
intrínsecos. E o povo o seguiu. Alinharam-se por interesse, convencidos dos
aspectos bons.
Apoiando
Hitler inova ao abordar todo o período nazista: da ascensão do führer
em 1933 até o amargo fim em 1945. O consentimento e a coerção inextricavelmente
ligados durante toda a trajetória do Terceiro Reich, a ameaça da derrota
radicalizando as ações. Uma concordância de opiniões com muitas formas. Mais
fluida que firme, mas ativa que passiva. Investiga não apenas os lados secretos
do terror, mas também a máquina que o direcionou primeiro a categorias indesejáveis
— judeus, ciganos, comunistas —, sedimentando a anuência popular.
Detalhadamente pesquisado e convincentemente construído, uma contribuição
crucial para o estudo de um dos mais negros períodos da história.
“Livros sobre
holocausto e nazismo se contam em milhares. Desta vasta biblioteca, alguns
poucos podem ser considerados essenciais para qualquer sério estudante do
sangrento e patético século XX. Apoiando Hitler, de Robert Gellately,
é um deles.” - Washington Post Book World
ENTREVISTA: Contrariando estudiosos que dizem que as atrocidades
do nazismo eram desconhecidas por grande parte da população alemã, a escritora
Christa Wolf declarou certa vez que para saber sobre a Gestapo, os campos de
concentração e as campanhas de discriminação e perseguição bastava ler os
jornais. Para comprovar essa hipótese, o renomado professor de história da
Universidade Estadual da Flórida Robert Gellately reúne provas de que a
sociedade tinha acesso a essas informações em seu mais novo livro, "Apoiando
Hitler: consentimento e coerção
na Alemanha nazista", lançado em julho de 2011 no Brasil (editora
Record). De acordo com o autor, Hitler não só divulgou abertamente as ações do
governo, que assumira em agosto de 1934, como também conquistou amplo apoio
popular para colocá-los em prática. "Ele não queria subjugar os alemães,
mas conquistá-los. Para isso, polia os ideais germânicos, construía imagens
populares positivas na imprensa e manipulava fobias milenares", pontua
Gellately.
Frustrados com o experimento democrático da República
de Weimar (1918 a 1933) - instaurada na Alemanha logo após a I Guerra Mundial,
herdando todo o peso da derrota do país na disputa, resultando em caos
econômico, social e político -, os alemães se mostraram orgulhosos ao enxergar
Hitler como um líder que conseguiu lhes devolver a sensação de segurança e
normalidade, além de combater o desemprego e a inflação. Ao avaliar um vasto
material sobre a polícia secreta e os campos de concentração publicados na
imprensa naquele período, Gellately comprova que o povo alemão formou a base
sólida do regime nazista. As autoridades não só publicavam histórias de "crime
e castigo", como elaboravam uma teoria prisional e policial coerente,
racional e científica. Explorando os arquivos da Gestapo, Gellately foi além de
qualquer outro historiador. "As provas materiais foram destruídas por toda
parte, exceto em três cidades - e foi ali que foquei minhas pesquisas",
conta o autor.
Como o
senhor chegou à polêmica conclusão de que grande parte dos alemães tinha uma
imagem clara das atrocidades nazistas?
R.G. - Entre 1933 e 1939, a maioria dos cidadãos sabia sobre
os campos de concentração e a Gestapo (polícia secreta do regime nazista),
simplesmente porque se podia ler abertamente sobre o assunto na imprensa.
Conhecendo o mito "nós não sabemos de nada", fiquei chocado com a
quantidade de material que era publicado na imprensa local, regional e
nacional. Muito do que aconteceu estava ali - as pessoas apenas ignoravam por
rejeitar a informação. Isso porque o regime nazista não ameaçava todos os
alemães, apenas grupos minoritários selecionados, incluindo, claro, os judeus.
A grande maioria da sociedade tinha pouco a temer. Já durante a II Guerra,
entre 1939 e 1945, as informações eram mais encobertas. Não obstante, um grande
número de pessoas estava envolvido diretamente com as ações do governo, e as
notícias chegavam a qualquer um que quisesse de fato saber o que acontecia por
baixo dos panos. Nesse período, os campos de concentração cresceram, ocupando
fábricas distantes dos centros urbanos e também no interior de algumas cidades,
tornando-se parte da vida cotidiana das pessoas e, portanto impossível de serem
ignorados.
Quanto os
alemães de fato sabiam sobre os campos de concentração e a Gestapo?
R.G. - Eles sabiam muito. O regime tinha orgulho de sua nova
polícia e a celebrava anualmente no "Dia da Polícia Alemã". Um bispo
católico chegou a se gabar à congregação sobre como um campo de concentração na
região tinha dado à área um novo "sopro de vida". Hitler apostou no
apelo popular por meio de um regime baseado no lema "lei e ordem".
Não são poucos os que preferem a repressão em nome da lei e da ordem em toda
parte do mundo. E nós sabemos que esses recursos podem ser perigosos para
pessoas ingênuas e inocentes. Por isso, o terror trouxe muito mais apoio ao
nazismo do que tirou. O regime se vangloriava de sua nova abordagem contra
criminosos reincidentes, alcoólatras crônicos, criminosos sexuais,
desempregados e mendigos. Hitler prometeu "limpar as ruas", e a
maioria das pessoas aprovou a medida. Algumas acreditavam de fato no Hitler e
no nazismo. Outras queriam proteger seu país e lutar como nacionalistas e
patriotas. E provavelmente a maioria lutou para manter distantes os russos e os
comunistas, que eram amplamente temidos e odiados no país.
De que forma
a experiência de Weimar aumentou o apoio popular a Hitler?
R.G. - Weimar produziu impasses políticos e coalizões
governamentais - e, depois de 1929, os regimes não se mostraram fortes o
suficiente para superar o desemprego. A ditadura de Hitler se livrou dessas
lutas entre partidos, das eleições intermináveis e da fraqueza do governo.
Inicialmente, o povo queria "dar a Hitler uma chance", como se dizia
naquela ocasião. De fato, foi uma tentação votar nele. Somente depois se
descobriu que ele tinha em mente ideias muito mais radicais do que qualquer um
poderia imaginar. Mas quando se percebeu o que estava por vir, já era tarde.
Como a
imprensa construía histórias consistentes sobre o regime?
R.G. - A abordagem nazista para o crime, a raça, a polícia,
os campos de concentração não eram apenas casuais, irracionais e
esquizofrênicas. O regime, na verdade, apresentou medidas racionais
consistentes ao público na imprensa e no cinema. A censura - além de deixar de
fora judeus e desligar as vozes comunistas e socialistas - não foi martelada a
cada dia. As organizações nazistas, incluindo a SS e a Gestapo, sabiam
perfeitamente bem o que queriam dizer, mas Joseph Goebbels e seus parceiros
tinham em mente que os cidadãos perceberiam se todos os jornais divulgassem
notícias idênticas. Então, era dada aos editores uma ideia geral do que o
regime decidia que seria noticiado, e cada veículo seguia aquela ideia a sua
maneira. O jornal diário do governo, o Voelkischer Beobachter, era o de maior
circulação no país e suas histórias eram frequentemente repetidas por outras
publicações. A SS também tinha sua própria publicação, igualmente popular. Para
reforçar a boa imagem do sistema, Hitler e Goebbels ainda favoreciam e tratavam
com condescendência certos escritores, diretores de cinema e outros artistas.
Com isso, os filmes que se destacavam elevavam a raça alemã e promoviam o
racismo e outros valores nazistas.
Quais
"benefícios" o nazismo deu à Alemanha?
R.G. - Até hoje, Hitler é lembrado por ter garantido uma
segurança tal que permitia que as mulheres andassem à noite sem medo ou que os
cidadãos deixassem suas bicicletas destravadas sem riscos. Todas essas
histórias são só parcialmente verdadeiras, mas ajudam a explicar por que as
pessoas apoiaram Hitler. Depois de Weimar, os alemães finalmente podiam dar
boas vindas a tempos melhores. Hitler lançou mão de programas de ordem pública
e investiu no rearmamento do país para a guerra. O que realmente contou para
muita gente foi que ele reduziu consideravelmente o desemprego e trouxe de
volta ao país seu orgulho - especialmente ao rasgar o odiado Tratado de
Versalhes (1919), acordo de paz que representou o fim da I Guerra Mundial e foi
considerado uma vergonha nacional, por impor uma série de restrições à
Alemanha.
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